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sábado, 4 de junho de 2011

Borges por Williamson

por Maurício Santoro


“Todo escritor respeitável deveria ter um biógrafo inglês”, observou García Márquez. Edwin Williamson, que leciona literatura na Universidade de Oxford, ilustra o princípio. Sua estupenda biografia do escritor argentino Jorge Luís Borges mostra um autor apaixonado e engajado politicamente, muito distinto do retrato habitual do homem perdido entre bibliotecas, labirintos, tigres e espelhos.
Borges teve longa vida (1899-1986), mas só conquistou fama internacional na velhice. Williamson divide sua produção artística em três etapas: a primeira é marcada pelo nacionalismo cultural e pelos vínculos com as vanguardas europeias; a segunda caracteriza-se pelo ceticismo e pessimismo, com forte influência de Franz Kafka; a terceira é de certo retorno da paixão juvenil. Em todas, Borges destacou-se por romper com a visão de que a arte deveria ser espelho da realidade, considerando-a como um mundo em si mesma e elaborando gêneros considerados inferiores, como romance policial, de aventuras, fantasia e ficção científica.
O escritor nasceu em Buenos Aires, em família de herois da Independência – seus dois avôs foram coronéis nas guerras contra a Espanha – mas que perdeu poder e prestígio para a nova elite dos estancieiros. A mãe de Borges, Leonor, era obecada em restaurar a grandeza de seus antepassados e esperava que o filho fosse o instrumento dessa vingança social. O pai, Jorge, era um literato frustrado, boêmio que ensaiou rebeliões contra a ordem vigente, e sonhava que o herdeiro completasse o que começou. Borges foi sempre dividido entre esses opostos,  situação que Williamson chama de “dilema entre espada e punhal”, no qual “ambos eram reações ao mesmo medo: o de ser desprezado, de perder o senso de identidade, de não ser ninguém.”
“Se eu tivesse que indicar o evento principal da minha vida, diria que é a biblioteca de meu pai”, escreveu Borges. Embora o filho não se destacasse nos estudos – era demasiado tímido, gago e míope, intimidado pelas outras crianças e nunca terminou o ensino médio – foi desde cedo um leitor voraz. Por sete anos a família viveu na Europa, principalmente na Suíça, onde o pai foi fazer um tratamento de saúde por conta da catarata que lhe tirava a visão. A estadia europeia coincidiu com a eclosão da I Guerra Mundial e o jovem Borges fez várias amizades nos círculos de vanguarda artística. De volta a Buenos Aires, tornou-se por algum tempo o líder de um grupo semelhante na capital argentina, defendendo nacionalismo cultural e identidade própria ao país, rejeitando visões de “submeter-se a ser quase norte-americano ou quase europeu, sempre quase outro”. Fundou revistas, publicou poemas e ensaios. Parecia no curso de uma brilhante carreira literária, mas seus problemas emocionais o lançaram em depressão e quase no suicídio.
Borges era infeliz e arredio com as mulheres. Uma iniciação sexual fracassada com uma prostituta em Genebra o traumatizou por anos. Em Buenos Aires, viveu uma sucessão de romances desastrosos, em especial com sua prima Norah Lange, beldade ruiva que ascendia como escritora e o trocou por um rival na literatura, Oliverio Girondo. O caso com Norah não era conhecido em detalhes, mas Williamson levantou dados importantes. Ela inspirou obras clássicas de Borges, como os dois “English Poems” e o conto “O Aleph”. Além dela, outras paixões fulminantes foram com Haydée Lange (irmã de Norah) e com a escritora e militante comunista Estela Canto.
O rompimento com Norah, em 1929, deixou Borges 14 anos sem escrever poesia, e seu estilo de prosa passou a ser mais sombrio, como nos magníficos contos reunidos em Ficções. A política também contou. O jovem escritor era ativista da União Cívica Radical, que propunha reformas contra a oligarquia que dominava a Argentina e foi afastado do poder após o golpe militar de 1930, que introduziu a “década infame”, de governos conservadores apoiados nas Forças Armadas e nas fraudes eleitorais. Borges se rebelou contra essas práticas, defendendo a democracia e envolvendo-se até em brigas de rua. Em 1943 houve outro golpe, que culminou na ascensão do coronel Juan Domingo Perón. Borges o via como versão local dos tiranos fascistas e não reconhecia suas importantes políticas sociais. Nos anos 50, apoiou a ditadura que depôs Perón, acreditando que a democracia era inviável na Argentina. Data dessa época o conto “Ragnarok”, no qual multidão invade a universidade deixando rastro de destruição apocalíptica.
Borges teve apenas empregos em horário parcial como jornalista e tradutor até completar 40 anos, quando seu pai morreu, e obteve então modesto posto como bibliotecário. Os peronistas tentaram transferi-lo para a função de fiscal de aves no mercado municipal, mas ele demitiu-se em protesto. Após a queda de Perón, foi nomeado diretor da Biblioteca Nacional e professor de literatura na Universidade de Buenos Aires. Começou um período tranquilo em sua vida, apesar do rápido avanço da perda de visão: “Eu me deixo viver, para que Borges possa tramar sua literatura, e essa literatura me justifica.” Sua rotina era dominada pela mãe, que o chamava de “menino” e os dois eram às vezes confundidos com marido e mulher.
O ponto de virada foi 1961, quando ganhou o International Publishers´ Prize. Foi o início da fama global, virando ícone cultural citado pela Nouvelle Vague e Rolling Stones. A ironia é que Borges estava em seu período mais conservador, dizendo que a democracia era “uma superstição” e elogiando as ditaduras militares na Argentina e no Chile. É provável que isso tenha lhe custado a chance de receber o Nobel de Literatura, mas “Borges achava que era vergonhoso esconder suas crenças políticas para ganhar um prêmio.”
O que mudou sua vida, novamente, foi o amor. Em 1967 ele teve breve casamento com Elsa Astete, viúva com quem tivera flerte na juventude. Dona de casa na província de Buenos Aires, sentiu-se deslocada no ambiente de intelectuais cosmopolitas do marido. Borges começou uma nova, longa e surpreendemente bem-sucedida relação com María Kodama, quarenta anos mais jovem do que ele e sua aluna na universidade. Kodama às vezes desperta reações tão fortes como as de Yoko Ono, mas Williamson lhe traça retrato simpático, afirmando que foi fundamental para dar afeto e serenidade na década e meia que passou ao lado de Borges. Nesse período ele apazigou muitos dos seus fantasmas e retomou a militância política, desta vez defendendo a democracia e criticando a ditadura militar argentina e a guerra das Malvinas. Ao ser diagnosticado com câncer terminal, optou por ir morrer na Suíça, em elogio à tolerância que caracteriza a cidade de Genebra.

::: Borges: Uma vida ::: Edwin Williamson (trad. Pedro Maia Soares) :::
::: Cia. das Letras, 2011, 664 páginas

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